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"Não caia na armadilha do dogma, que é viver com os resultados dos pensamentos de outras pessoas." - Steve Jobs

[Mitólogos] Joseph Campbell, e o Monomito.

Devidamente iluminado, o antropólogo Joseph Campbell enxergou um dia o que tinha passado despercebido por incontáveis gerações de seres humanos: que todo os mitos e todas as lendas e todos os épicos e todas as narrativas sagradas de todas as culturas da humanidade contam essencialmente uma mesma história. Intuiu, maravilhado, que todas as narrativas com peso universal, de Adão a Homer Simpson, passando por Dom Quixote, o Homem-Aranha, Abraão, Dante, Darth Vader, Buda, Frodo, Jesus, Gandhi, Osíris, Harry Potter, João Grilo, Enéas, Hamlet e os formidáveis protagonistas de Gladiador e O Sexto Sentido, descrevem incessantemente a mesma trajetória primordial do mesmo herói primordial - figura que esconde-se por trás de diferentes máscaras mas aponta na eternidade para uma mesma verdade espiritual: a nossa.
Quer escutemos a arenga de um feiticeiro do Congo ou leiamos a tradução de um soneto místico de Lao-Tsé; quer decifremos o sentido de um argumento de São Tomas de Aquino ou entendamos o sentido de um conto de fadas esquimó, é sempre com a mesma história que nos deparamos.

Para Campbell, havia um excelente motivo por trás da onipresença do monomito e da universal paixão humana pelas narrativas heróicas: a trajetória do herói das lendas reflete em idioma coletivo os desafios, as armadilhas e as possíveis recompensas do desenvolvimento psíquico de cada ser humano. Freud concluíra que os sonhos trazem revelações essenciais sobre a trajetória da psique e valiosas pistas para o seu avanço; Jung e Campbell concluíram que os mitos são os sonhos coletivos da humanidade, e descrevem o arco completo da inocência à maturidade/auto-descoberta.
A função primária da mitologia e dos ritos sempre foi a de fornecer os símbolos que levam o espírito humano a avançar, opondo-se àquelas fantasias humanas constantes que tendem a levá-lo para trás. Com efeito, pode ser que a incidência tão grande de neuroses no nosso meio decorra do declínio, entre nós, desse auxiliar espiritual efetivo. Mantemo-nos ligados às imagens não exorcizadas de nossa infância, razão pela qual não nos inclinamos a fazer as passagens necessárias para a vida adulta.
A jornada externa do herói reflete, naturalmente, a viagem interior do indivíduo rumo - se tudo der certo - à maturidade espiritual। O terreno de perigos, trevas e armadilhas em que o herói é forçado a penetrar são as regiões ameaçadoras e desconhecidas do inconsciente. Os ajudantes e objetos mágicos que ele encontra pelo caminho representam nossos próprios recursos interiores, que nem imaginávamos que estavam lá. O inimigo que o herói precisa matar para sobreviver e salvar o mundo (e essa é a reviravolta inevitável de todas as histórias) somos sempre nós mesmos; na narrativa do herói o momento da vitória é o preciso momento da sua morte: o momento da auto-descoberta (o inimigo sou eu), da morte do ego e da passagem para a maturidade com o elixir da vida eterna. O herói que recusa-se a morrer recusa-se a crescer; recusa-se a ressuscitar e, por ser incapaz de conhecer e ajudar a si mesmo, é incapaz de conhecer e ajudar os outros.